O padre entrou naquela que era uma
das mais suntuosas casas da cidade. Ficava num lugar afastado, quase tanto
quanto o orfanato, mas em uma direção totalmente oposta. Fora ali muitíssimo bem
recebido pela governanta da casa, uma senhora negra, ex-escrava, com quem tinha
uma forte ligação.
- Anamaria, preciso falar com o Bartô
Scheider...
- Padre Onório, que boas noticia traz
o senhor?
O padre sorriu, e olhou para o papel
em sua mão, entregue por Gilmar.
- Ah, minha velha amiga, hoje o padre veio em busca de
conselhos com o judeu.
- Vixe! – A senhora riu. – Seu Bartô
tá adoentado, mas o padre eu acho que ele recebe. Senta aqui, padre, sinta em
casa. – disse ela ao padre, acomodando-o no sofá, e depois gritou para uma
empregada – Dorotéia, traz refresco pro padre. – sorriu para o padre. – O senhor
me dá licença, vou avisar Sêu Scheider.
Ela caminha rápida por um corredor.
Menos de um minuto ela volta.
- Padre, o senhor não se incomoda de
vim no quarto?
O padre se levantou e acompanhou
Anamaria, que o levou até um quarto de uma decoração sofisticada, apesar de
simples. Na cama de casal estava um homem velho, com rugas que denunciavam anos
de uma repetida expressão de paciência e humildade. O padre sentou num canto da
cama.
- Obrigado Anamaria. Prepare um café
para o padre e eu, sim?
- Sim senhor, com licença. – ela sai do quarto
e fecha a porta. – Padre Onório, sempre me alegra recebê-lo no teto de minha
família, no entanto, o feitor me havia adiantado que estava preocupado, e que
havia algo de importante a tratar comigo. Como poderia ser útil?
- Era sobre isto que queria conversar,
Senhor Schneider... – disse o Padre, entregando o papel dobrado que havia
recebido de Gilmar. – Um paroquiano encontrou uma gravação embaixo da cama de
um enfermo, e tratava-se dessas inscrições.
Senhor Schneider abriu o papel e
encontrou ali um texto formando um hexágono, dentro dele outros dois textos. O
judeu franziu o cenho. Girava o papel lentamente.
- Gravado como?
- No assoalho, a madeira fora gravada
com esse texto, que me pareceu hebraico...
- Sim, é hebraico... Antigo...
- Em uma enfermaria. Uma criança
adormecida por longos meses, alimentada com caldos, banhada com panos. O que me
parece é ser uma simpatia pagã, algo do gênero. No entanto, as pessoas que
poderiam ter feito isso mal são alfabetizadas em português.
- Enfermaria? Isto está no
ambulatório da cidade? – perguntou Sr. Schneider.
- Na verdade, não. Sabe aquele
orfanato? Um garoto, doze ou treze anos. Uma das senhoras sempre faz de suas
mandingas para cuidar das crianças.
- Isto aqui está sob a cama de uma
criança adoecida? – o judeu perguntou, com um olhar sério.
- Sim. Consegue ler? – indagou o
padre.
- Consigo. Como descobriu isto?
- O caseiro do orfanato encontrou e
me trouxe. Algo incrível aconteceu, Bartô, quando ele me mostrou esta
reprodução. Um vento escancarou as portas da igreja e apagou o círio pascal.
Isto não é comum, as portas são pesadas, e o senhor bem sabe que a qualidade da
cera e do pavio do círio pascal é inquestionável. Mas diga-me, o que está
escrito?
- Aqui diz... – e ele recitou em
hebraico, a reprodução que Gilmar fizera da gravação. As cortinas começaram a
agitar-se, e uma nuvem cobriu o sol inteiramente. – Em português, em uma
tradução improvisada e leviana é algo como:
“Este espírito é levado para o inferno. Com a
mão direita do pai Beliel; mão esquerda
do príncipe Baal, sua alma alimente a fome do pai Beliel, seu espírito receba o
espírito do príncipe Baal. Nossa idade para vós, tua sabedoria para nós. Este
sangue para Belzebu, esta carne para o Cão.”
Os dois assustaram-se com o som da
bandeja de prata e as xícaras de café que Anamaria derrubara no chão,
aterrorizada com o que acabara de escutar.
2 comentários:
A ilustração é de dar arrepios.
O texto grava do por Gilmar, nem se fala...
"Bóra lá que tá" ficando bom.
que medooooooo
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