Na Avenida
São João, no quarteirão entre o Largo do Paissandu e a Avenida Ipiranga, dizem
os moradores de rua, boêmios e prostitutas que um velho branco sinistro aparece
em toda noite de dia 13 e nas madrugadas de todos os santos. Sempre entre as
duas e três horas da manhã.
Com uma
capa branca encardida, camisa e calça sociais e um chapéu panamá, sua aparência
curiosa põe medo em quem já o encontrou. Aquela figura de um metro e noventa,
muito magra, tem um rosto pálido, e com uma pele quase artificial similar à textura lisa e brilhante de
uma cera de vela.
O
sorriso macabro, de muitas rugas que pareciam parênteses nos cantos da boca até
quase o meio das bochechas, era visto por quem o cumprimentasse, embora ele
ficasse sempre com a boca fechada, andando como um corcunda, com uma bengala de
madeira preta.
Contam
que ele anda de lá pra cá, como se esperasse por algo, ou alguém. Atravessa a
avenida e anda ora numa calçada, ora noutra, ora pelo meio da rua. Os
transeuntes contam histórias. O mendigo Zé que dorme na largo do Paissandu,
próximo à estátua da Mãe Preta, disse que o viu pela primeira vez, e
inicialmente se assustou.
O velho
carrancudo e sério lhe fixou dois olhos de órbitas vazias, com um branco
profundo. O cachaceiro ofereceu-lhe bebida, o velho sorriu sinistra e
simpaticamente, e negou com a cabeça. Zé ouviu aquela risada de boca fechada e
seguiu seu caminho.
Nesta
mesma noite, Pâmela, uma travesti que trabalhava na região passou por ali.
Inicialmente vendo o velho de longe, pensou ser um potencial cliente, mas ao se
aproximar, e ver aqueles olhos brancos, teve vontade de gritar. Contemplou a
expressão absurdamente enrugada, sem pensar, perguntou se o velho não gostaria
de uma companhia.
O velho
riu, aquele riso medonho que enrugava toda sua face sobrenatural, que parecia
uma máscara viva com um sorriso generoso estranhamente maligno. Mas um rapaz
jovem, transeunte, que cruzara o caminho do velho não tivera a mesma sorte.
Luiz
andava pela Avenida São João, levemente embriagado, quando viu aquele homem que
andava de bengala, e se aproximou, dando um chute na bengala. Por mais apoiado
que o velho parecesse, ele não caiu. Ficou intacto. Entretanto, a bengala do
chão, levitou-se até a mão do velho, e isto assustou o rapaz.
Sentindo-se
fuzilado por aqueles olhos terríveis, gritou algo que ofendeu ainda mais o
velho, que ergueu a bengala e, como se esta fosse uma lança, enfiou-lha no
estômago do rapaz, que caiu no chão, gritando de dor e aflição. O velho então
escancarou a boca que abria até o meio das bochechas e deu aquela gargalhada de
muitas vozes infernais, exibindo dentes longos e pontiagudos que pareciam
vidro.
Enquanto
girava e torcia a bengala pelas vísceras do rapaz, aproximou-se até que pudesse
puxá-lo pelo pescoço para então, de uma única mordida arrancar seu ombro e
engoli-lo. O rapaz caiu no chão, levantou-se e saiu correndo.
Nada
daquilo tinha de fato acontecido.
Todos
relataram suas experiências, sem que quaisquer ouvintes acreditassem, pois
demorava até que o velho que ria fosse visto outra vez.
Durante
anos histórias grotescas de encontros eram repercutidas pelas ruas do centro de
São Paulo. Por anos, pessoas foram ameaçadas, cumprimentadas e açoitadas pelo
velho que ria. Mas era fato, as histórias mais impressionantes eram justamente
aquelas que ninguém nunca ouviu falar.
Continua...
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