Dezoito anos antes, Dona Lira era uma
senhora com cabelos louros escuros. Era uma mulher madura, e restava ainda
alguma mocidade, apesar de ver a si mesma desde nova como uma mulher cuja
frigidez e a insegurança lhe seriam o grande ponto fraco.
Ela olhava séria para o homem de
cócoras que ria e conversava com o pequeno Gilmar, que naqueles dias tinha sete
anos. O menino estava contente. Conversava e mostrava brinquedos feitos com
batatas e gravetos no quintal. Tia Rute sorria. Não era um sorriso necessariamente
feliz, era um sorriso de êxito.
- Quero falar com a senhora lá
dentro.
A velha percebera que havia algo errado.
Por outro lado, estava indiferente. Entraram. Caminharam até o quarto em que
Lira dormia. Sentaram-se na cama.
- Não quero que ele leve Gilmar.
Tia Rute riu.
- Que capricho esse agora, menina?
- Não quero.
- Por quê?
- Ele é prestativo, e nos respeita.
Todas as vezes que contratamos capataz eles nos questionam, nos perturbam.
Gilmar crescera um homem forte. Será importante.
- Lira, você não viu que o Homem o
quer? Ele veio, ele o escolheu. O destino do menino não está nas nossas mãos.
- Tia Rute, não está entendendo. Eu
não quero que o Gilmar seja levado.
A velha ficou séria.
- Isso não cabe ao seu querer,
menina. Tome tento e arrume o que fazer.
- Não quero que ele leve o Gilmar.
- Arre! – e rangeu os dentes. – Pra que
isto agora?
- Já disse. Ele sera mais útil com a
gente.
A velha fechou o punho e o pôs diante
do rosto de Lira. Não como uma ameaça, mas como uma exclamação física de seu
ódio. Lira não queria voltar atrás.
- Eu quero o menino. Eu o quero para
mim. Eu o desejo.
Aquilo bastou para que os olhos da velha
vibrassem ainda mais, e brilhassem com um ódio.
- Então você o usa para suas
insanidades? Sua perversa suja.
- Cale-se, sua bruxa. Me respeite.
Não me julgue, isso eu não permito. Moralidades não estão em questão. Quero-o
para mim, e isso não está em negociação.
Fora a primeira vez que Lira fora
absoluta em algo que dissesse à sua tia. E isso intimidara a velha, que impediu
que Gilmar partisse.
Não era verdade que Lira desejasse.
Lira o via apenas como uma criança, inocente, e o queria perto dela. O tinha
como filho. Amava o menino. Não queria perde-lo. Mas era bem verdade que ele
seria o alimento de seus desejos mais luxuriosos muitos anos mais tarde.
Ali ela o vira como criança. Mas agora o via
como um homem. Como um macho se sua espécie. Um macho fértil. Desejava-o. Tocava-se
todas as noites pensando em seus músculos.
Roubava-lhe camisas suadas, que esfregava por seu corpo. Sentia inveja
de Hortência. Quase raiva. Mas ela não era uma mulher para se desejar, sabia
disso. Ela agora observava ele cortando lenha.
“Há algo de errado com o meu menino...”.
Gilmar olhou para ela. Sorriu. Ele tinha muito carinho por ela. E ela gostaria
que ele não estivesse ali.