Hoje terminei o livro “O Pequeno Príncipe”, e me flagrei no
mesmo estado de graça e insatisfação que senti ao assistir “O Fabuloso Destino
de Amélie Poulain”. A graça por perceber como existem contadores de história
sensíveis, maduros, e não obstante, simples, no mundo. E insatisfeito comigo
mesmo por não ter me dado ao trabalho de conhecer essa obra há mais tempo.
Claro que como um ser humano no mundo globalizado, eu cresci
sabendo que a obra de Antoine de Saint-Exupéry existia, sabia reconhecer os
traços de sua arte e, inclusive, conhecia muitas das frases de efeito de sua
obra.
Frases de efeito, isto é o pecado que eu percebi ao terminar
o livro.
A história, apesar de simples, carrega significados e
exemplifica as fragilidades humanas de uma forma que eu só havia “experimentado”
ao ler “A História sem fim”, de Michael Ende. Há um livro para aguçar a
imaginação fértil das crianças, e uma jornada repleta de revelações para os
adultos observarem a si mesmos.
E nisso tudo, sobram o que as pessoas chamam de frase
bonita, frase de efeito... Sublinham, passam adiante, sem de fato experimentar
a proposta desses respectivos autores: vivenciar algo único, que somente o
coração de uma criança é capaz de tornar real, mas contentando-se em usar, de
má fé a sensibilidade do contador de histórias como um mero livro de
auto-ajuda. Deixe a auto-ajuda pra quem não sabe contar histórias. Muitas pessoas choram com o final. Particularmente, achei natural a forma como tudo acontece. É lindo, deixa saudade, mas é feliz.
Em algum lugar no interior da
Bahia se escondia a discreta cidade de Itaxoxota do Norte. Povoada por dois mil
habitantes, Itaxoxota era conhecida por histórias de superação. Natalino
Ventura fora um sobrevivente: Tinha dois filhos que passavam o dia sozinhos no
sitio em que morava, e certa vez, em época de natal viajou até Itabuna para
trabalhar em um comércio.
Com a mesma falta de sorte que
lhe trouxera uma mulher que engravidara de gêmeos e desapareceu após seu nascimento,
Natalino esbarrou com Cristino Gomes, conhecido por Corisco, cangaceiro famoso
e perigoso que estava à paisana pelas bandas de Itabuna. Após uma discussão por
motivo fútil, Corisco lhe agrediu com violência.
Ninguém jamais soube que o homem que o
espancara e o deixara desacordado pela rua era o cangaceiro, a não ser este que
vos fala. O fato é, Natalino, com vinte e três anos, acordara sem se lembrar de
seu nome, seu lar, exceto lembrar-se que tinha alguém à sua espera.
Seus filhos cresceram, com
momentos ora de tristeza, ora raiva. Jamais saberiam o que tinha acontecido até
que quando completaram sessenta anos, Indaiara, a moça, agora senhora, por
quaisquer forças do destino o encontrara pedindo esmolas em uma praça de
Itabuna, com uma barba que passava a altura da cintura, cabelos longos, cinzas
e embaraçados, e uma marca de espancamento, como um carro amassado, no cocuruto
do velho.
Bastaram três dias para que ele
estivesse devidamente asseado, e arrumaram-lhe um trabalho. Um shopping de
Itaxoxota, que mais parecia uma pequena galeria, precisava de um velho barbudo
para representar o Papai Noel.
Lá estava Natalino. Um velho que
não calculava informações. Não assimilava o mundo. Uma alma infeliz, por
ansiava por reencontrar coisas que já tinha recuperado e não podia reconhecer.
Falava, pensava, mas era vazio. Sentia calor com a roupa vermelha, e a poltrona
do Papai Noel, embora parecesse bonita, era dura e desconfortável. E então uma
menina se sentou em seu colo.
Ele fez como o dono do Shopping
orientara, conversava com a menina, e dera-lhe um doce. Houve uma iluminação em
sua mente ao olhar tão próximo do rosto da menina.
“Minha filha...” pensou ele, como
quem faz a maior descoberta do mundo. Ele tinha duas crianças. As havia deixado
para trabalhar. Esta era a causa de sua angústia. O senso de responsabilidade
por seus filhos jamais havia desaparecido, e não lembrar que existiam tornara
todos os sessenta anos terrivelmente sufocantes.
Seu coração acelerou. Ele
precisava procurar, mas onde estariam.
- Qual o seu nome, meu filho? –
perguntou ele para outra criança.
- Enoque. – respondeu o menino.
Era o nome de seu filho. Enoque e
Indaiara. De repente tudo voltou à tona. Ele sabia quem era, de onde viera,
lembrou-se do diabo loiro que o agredira. Mas não se esquecera dos anos que se
passaram.
Sentou-se outra criança. Mas sua
aflição apenas se atenuava a cada segundo que passava.
“Meu Deus, aquela moça é minha
filha. Onde ela está?” ele pensou, lembrando-se do rosto da mulher Indaiara que
o havia resgatado das ruas de Itabuna.
Começou a sentir a boca seca.
- Eu passei de ano! – exclamou um
menino, orgulhoso. Olhou para o menino, simpático, tentando parecer calmo,
embora surgissem pequenas luzes em seus olhos que piscavam incessantes.
Esticou o braço esquerdo para
pegar um pirulito, e o doce caiu de sua mão que formigava. Ele abria e fechava,
aflito. A boca, mais seca a cada instante, e de repente ele gritou um breve
“Ah!”, e derrubou o menino no chão, e caiu em cima dele. Morto.
Um trovão cortou todo o som que
havia na cidade. Um raio havia partido a maior árvore da praça principal, que
ficava diante do shopping e da igreja. Também o som da árvore fora um estrondo
arrepiante.
E as crianças, que eram muitas
começaram a gritar. Umas choravam de medo, outras uivavam e apontavam para o
velho morto.
“Papai Noel morreu”, gritavam
elas.
E a chuva começou. Densa,
tornando a manhã ensolarada em uma noite surgida de modo inesperado. Pessoas
corriam pelo shopping e gritavam nas ruas que o Papai Noel havia morrido. Uma
hora depois, estavam Indaiara e Enoque ao lado de oficiais que retiravam o
corpo de Natalino.
Quando o corpo fora levado, todo
mundo soube que o nome do homem se chamava Natalino, e que ele era um milagre.
Pois não chovia em toda a região fazia quase seis meses. A chuva levou horas, e
toda a cidade saiu, sem guarda-chuvas, para senti-la, fria, abundante e
abençoada.
Indaiara e Enoque jamais souberam
que seu pai se lembrara deles antes da morte, e fora a dor de tê-los deixado
esperar tanto tempo, que lhe tomou a vida.
"A solução de Rodrigo", conto de minha autoria, foi originalmente publicado no jornal lusitano Horizonte, em 26 de outubro de 2012
Era parte da rotina de Rodrigo chegar em casa após a escola e encontrar seu pai, Luís, sentado diante da televisão com o controle remoto na mão direita. Mas às vezes ele não estava em casa.
Às vezes a casa estava sem o ruído da televisão alta, e isto não era um bom sinal.
Nestes dias, Rodrigo ia para o quintal e se deitava no chão do quintal, para observar as nuvens. Chicão, o cachorro da raça pastor alemão, lambia-lhe a cara e depois deitava apoiado no peito do garoto.
As vezes até dormia. E sua mãe, Leila, que trabalhava como cozinheira em casa de família, chegava em casa todos os dias as oito, e o acordava no quintal. Rodrigo alimentava Chicão, tomava banho e começava a estudar. Eis que começava, sempre na mesma ordem:
Ouvia as correntes que prendiam o portão mexerem; Chicão latindo, furioso; um barulho irritante do portão sacudindo; seu pai gritando seu nome, ou o nome de sua mãe, precedendo sempre uma palavra rude.
Rodrigo corria em direção à garagem, mas as vezes Leila já estava lá para abrir o cadeado para o marido, que a empurrava com força para que saísse do caminho. Estava bêbado.
Na última vez, ele agredira Leila com tanta violência, que ela deixara de ir para o trabalho por quase duas semanas. Inventara uma doença qualquer para a patroa. Rodrigo, por sua vez, ligou em segredo para Sílvia, a patroa de sua mãe, para lhe dizer a verdade.
Com um bolo de cenoura nas mãos, Sílvia viera visitar Leila, e ofereceu-lhe ajuda. Leila agradeceu, porém disse que não seria necessário, pois nada era o que parecia. Sentiu-se traída pelo filho.
Rodrigo fora repreendido por sua mãe.
Desta vez Rodrigo olhava para os modos do pai, para as súplicas da mãe, e pensava. Foi até seu quarto e fechou a porta. Leila o chamava. Era sempre assim...
Ela chamava o filho para apartar a briga. Ele vinha, separava. A mãe chorava, o pai saía outra vez, ou se trancava no quarto.
Rodrigo tinha 15 anos, e já estava cansado. Foi até a cozinha, onde o pai batia em sua mãe, mas não separou. Olhou a situação e, com um misto de indiferença e raiva, abriu a porta do quintal para que Chicão entrasse.
Como um raio, o animal entrou casa adentro e voou na perna de Luís, que caiu e tentou dar socos no cão, mas fora novamente mordido, desta vez no braço. Os dentes afundaram na carne do homem, que gritou. A mãe pegara uma vassoura para bater no animal, mas Rodrigo a deteve.
Colocou o cão no quintal. Seus pais, horrorizados, olhavam-no em silêncio.
- Se me dão licença, - disse o garoto – preciso estudar.
O conto à seguir foi originalmente publicado no jornal Horizonte, do distrito de Viseu, em Portugal, em 26 de junho de 2012.
Letícia era forte. Letícia aos treze anos cuidava de três irmãos. Letícia aos quinze anos tornara-se mulher da vida, mas Letícia, aos vinte, encantou um homem.
Letícia fora uma menina delicada, mas Letícia se tornara uma mulher de poucos risos. Era aquele enigma de seus olhos que lhe trazia o sustento, pois Letícia nem mesmo era dona de tanta beleza assim.
Talvez aqueles olhos carregassem mais experiências do que se esperaria em alguém de sua juventude. Afinal, Letícia confiava apenas em sua intuição. O mérito desta sabedoria era conseqüência de sua própria história.
Letícia sempre quis dar conforto a seus irmãos, e lamentava que isto não pudesse acontecer por um trabalho de advogada ou médica. Letícia queria que seus irmãos fossem alguém nessa vida. Doutores em alguma coisa... Quem sabe artistas? Artistas mudam o mundo, trazem riso e fazem pensar. Teria se orgulhado.
Mas a verdade é que seus irmãos na adolescência passaram a envergonhar-se dela. A partir deste dia, nada mais pôde fazer por eles. Apesar de aceitarem seu sustento, rejeitavam seus meios. Ela própria os achava cruéis, mas o que poderia fazer? No final das contas, ela própria não teria se orgulhado de sua mãe se esta se deitasse com homens para sustentar os filhos. Embora se lembrasse que sua mãe havia desistido de viver por não poder sustentá-los.
Frustrada exatamente como sua mãe era, porém, que culpa tinha ela e que culpa teriam eles? Fracasso não enche barriga. Precisavam de comida e carinho, sendo ela feliz ou não.
Quando um homem percebeu que aquele olhar que para o mundo parecia sensual, nada mais era do que uma janela para a tristeza incalculável, não poderia oferecer no mundo nada que pudesse valer ver aqueles dois olhos negros brilharem felizes.
Como poderia ela acreditar que aquele homem sentia algo terno por ela, se ela própria não conhecia esse tipo de encanto?
Ao passo que ela abaixou uma alça de seu sutiã, ele a colocava de volta. Ao invés de se encantar, ela sentiu medo. Pobre homem, que levou tantos meses até que ela se permitisse ver a si mesma como uma boa companhia. Ele lhe pagava para que não dormisse com outros homens.
Pouco a pouco, pobre Letícia, fora descobrindo que ainda era jovem, e isto não fora nada fácil. Não é simples entender que pode haver vida boa adiante, se não houve vida boa no passado. Nem é fácil descobrir-se alguém especial para os outros se nunca soube ser especial para si mesma.
Conhecê-lo a tornou feliz, de alguma forma. Mas seus irmãos não acreditavam. E o homem apesar de ter uma vida boa, apenas era um trabalhador bem sucedido, não um homem rico. Certo dia seus irmãos partiram. Não haviam sequer despedido dela. Afinal, eles eram do mundo, não eram?
O homem cresceu em seu trabalho, e precisou ir para outro país. Ela se despediu dele. Mas ele nunca se despediu dela. Ela partiu em seu encontro alguns meses depois. Sempre pensando em seus irmãos em toda a viagem, e em todos os anos que se seguiram.
Sempre pensou neles. Nunca mais os viu. Mas foi uma mulher muito amada por seu homem, e uma mãe muito amada pelos filhos que teve.
Maria Cristina vivia em um
apartamento na Avenida São João fazia quatro anos. Quando o comprou, queria
convencer seu namorado, Jorge, a casar-se com ela. Ele, por sua vez, após cinco
anos com Maria Cristina, decidiu terminar com o relacionamento. Ela não gostou.
Ela era
divorciada, 52 anos. Jorge tinha 28 anos, era bonito, vigoroso e atlético. Ela,
após os trinta passara a ganhas alguns quilos por ano e, agora, estava decidida
a buscas ajuda espiritual para manter seu relacionamento.
Mãe
Ciníra de Oxossi era uma macumbeira bastante conhecida. Começara com os
trabalhos espirituais por volta dos 12 anos e agora aos 70 era uma mulher rica,
guru de pessoas bem-sucedidas e, de fato, muito habilidosa no que se propunha a
fazer.
Quando
Maria Cristina procurou Mãe Ciníra, já sabia que ia fazer algo tanto moral,
quanto espiritualmente errado. Haveria um despacho, seria em uma encruzilhada,
e a sexta-feira mais próxima era curiosamente num dia 13.
Na
noite em questão, Maria Cristina sentia medo e constrangimento. Não queria ser
vista por vizinhos fazendo despachos e oferendas. Foi por volta da uma e
quarenta da manhã que Mãe Ciníra, já enfurecida, intimidou Maria Cristina a
descer e fazer o trabalho.
Começou
com sua chegada na grande avenida. Carregavam uma sacola com um alguidar
pequeno, uma garrafa de champagne, cigarros, sete rosas vermelhas, e um par de
brincos com um colar. Andariam até a esquina da Avenida São João com a Rua
Conselheiro Crispiniano, o cruzamento de três vias mais próximo.
Antes
que chegassem ao Largo do Paissandú, porém, algo aconteceu...
Como
que de uma porta invisível surgida no meio da calçada, surgira um velho bem
alto, todo branco com uma bengala e um chapéu Panamá.
“Minha
Nossa Senhora!”, exclamou Maria Cristina. Mas Mãe Ciníra, por sua vez,
assustou-se, começou a chiar feito uma panela de pressão e a girar até que, de
uma gargalhada, parou e o encarou.
Maria
Cristina olhava assustada para o velho, que aparentemente, a ignorava. Olhava
apenas para as sacolas com as oferendas. Mãe Ciníra, com a Pomba-Gira
incorporada, batera o pé esquerdo no chão, como se desafiasse o velho. O que
Maria Cristina não podia ver era como o velho e a pomba-gira enxergavam um ao
outro...
Havia a
avenida, repleta por brumas, com edifícios e postes esmaecidos. Duas mulheres
quase imperceptíveis e uma gloriosa negra de cabelos longos e armados, trajando
apenas uma imensa saia vermelha, com os seios grandes e belos à mostra. De
frente para ela estava a criatura.
Parecia
um tipo de aranha com um corpo hominídeo pendurado próximo ao chão, mas
suspenso no que parecia uma teia nebulosa branca que chegava até o céu e se expandia
por toda direção. O corpo era de um velho monstruoso, não com braços, mas com
muitos tentáculos, e aquele semblante de homem idoso, cuja pele parecia feita
de cera de vela.
Permaneceram
encarando-se por quase um minuto, até que a Pomba-Gira bateu o pé esquerdo
outra vez. O velho se enfureceu e a agarrou com um de seus tentáculos,
apertando-a na altura do estômago e do pescoço. E depois ele riu aquela
gargalhada não parecia vir de câmaras de uma garganta, mas de corredores de
pedra de alguma caverna nas profundezas do mundo.
Maria
Cristina pôs-se a correr. A Pomba-Gira sumiu, e Mãe Ciníra caiu no chão, morta
num enfarto fulminante.
Na Avenida
São João, no quarteirão entre o Largo do Paissandu e a Avenida Ipiranga, dizem
os moradores de rua, boêmios e prostitutas que um velho branco sinistro aparece
em toda noite de dia 13 e nas madrugadas de todos os santos. Sempre entre as
duas e três horas da manhã.
Com uma
capa branca encardida, camisa e calça sociais e um chapéu panamá, sua aparência
curiosa põe medo em quem já o encontrou. Aquela figura de um metro e noventa,
muito magra, tem um rosto pálido, e com uma pele quase artificial similar à textura lisa e brilhante de
uma cera de vela.
O
sorriso macabro, de muitas rugas que pareciam parênteses nos cantos da boca até
quase o meio das bochechas, era visto por quem o cumprimentasse, embora ele
ficasse sempre com a boca fechada, andando como um corcunda, com uma bengala de
madeira preta.
Contam
que ele anda de lá pra cá, como se esperasse por algo, ou alguém. Atravessa a
avenida e anda ora numa calçada, ora noutra, ora pelo meio da rua. Os
transeuntes contam histórias. O mendigo Zé que dorme na largo do Paissandu,
próximo à estátua da Mãe Preta, disse que o viu pela primeira vez, e
inicialmente se assustou.
O velho
carrancudo e sério lhe fixou dois olhos de órbitas vazias, com um branco
profundo. O cachaceiro ofereceu-lhe bebida, o velho sorriu sinistra e
simpaticamente, e negou com a cabeça. Zé ouviu aquela risada de boca fechada e
seguiu seu caminho.
Nesta
mesma noite, Pâmela, uma travesti que trabalhava na região passou por ali.
Inicialmente vendo o velho de longe, pensou ser um potencial cliente, mas ao se
aproximar, e ver aqueles olhos brancos, teve vontade de gritar. Contemplou a
expressão absurdamente enrugada, sem pensar, perguntou se o velho não gostaria
de uma companhia.
O velho
riu, aquele riso medonho que enrugava toda sua face sobrenatural, que parecia
uma máscara viva com um sorriso generoso estranhamente maligno. Mas um rapaz
jovem, transeunte, que cruzara o caminho do velho não tivera a mesma sorte.
Luiz
andava pela Avenida São João, levemente embriagado, quando viu aquele homem que
andava de bengala, e se aproximou, dando um chute na bengala. Por mais apoiado
que o velho parecesse, ele não caiu. Ficou intacto. Entretanto, a bengala do
chão, levitou-se até a mão do velho, e isto assustou o rapaz.
Sentindo-se
fuzilado por aqueles olhos terríveis, gritou algo que ofendeu ainda mais o
velho, que ergueu a bengala e, como se esta fosse uma lança, enfiou-lha no
estômago do rapaz, que caiu no chão, gritando de dor e aflição. O velho então
escancarou a boca que abria até o meio das bochechas e deu aquela gargalhada de
muitas vozes infernais, exibindo dentes longos e pontiagudos que pareciam
vidro.
Enquanto
girava e torcia a bengala pelas vísceras do rapaz, aproximou-se até que pudesse
puxá-lo pelo pescoço para então, de uma única mordida arrancar seu ombro e
engoli-lo. O rapaz caiu no chão, levantou-se e saiu correndo.
Nada
daquilo tinha de fato acontecido.
Todos
relataram suas experiências, sem que quaisquer ouvintes acreditassem, pois
demorava até que o velho que ria fosse visto outra vez.
Durante
anos histórias grotescas de encontros eram repercutidas pelas ruas do centro de
São Paulo. Por anos, pessoas foram ameaçadas, cumprimentadas e açoitadas pelo
velho que ria. Mas era fato, as histórias mais impressionantes eram justamente
aquelas que ninguém nunca ouviu falar.
Este tempo que passa em que sonhamos com os braços cruzados,
Eles tornam a vida amarga.
Mas o tempo em que estamos justamente olhando nos olhos brilhantes das pessoas que gostam da gente, esses fazem a vida valer a pena.
Os cheiros da infância, as histórias, risos, lágrimas, esses adoçam tanto a vida quanto a morte. Veja, quanto mais transbordantes as recordações, no final das contas, quantos momentos dourados prevalecem no coração daquele que vai, e dos que ficam?
Também, veja... Se ainda há uma longa estrada, estas lembranças que acalmam são justamente as que fortalecem o homem que segue seu caminho.
O que é a vida, senão um monte de experiências que nos enobrecem, ou às vezes nos desvanece.
Será que devemos chorar? Eu acho que sim. Porque sinceramente, eu não gostaria esperar tanto tempo para ouvir certas vozes, olhar para certos risos, nem ganhar certos abraços. Mas o que se pode fazer?
Não acho que as coisas aconteçam como Deus quer, nem sempre como “deveriam” acontecer. Elas acontecem porque... Acontecem.
Como acontecem despedidas bruscas, ou pior, perdas sem merecidas despedidas, acontecem também aquelas experiências mágicas que o coração guarda pra sempre.
Pessoas especiais tem esse papel nas nossas histórias.
Pessoas especiais são inesquecíveis, viram estrelas no céu, enchem nossos olhos de lágrima, e vivem pra sempre no nosso coração.
Fica uma parte do coração cheia de lembranças, e outro espaço onde o coração esperava por outros momentos especiais.
O conforto está em saber, justamente, que o tempo passa para todos nós, e que é só uma questão de tempo, tempo que passa, para nos vermos outra vez.
Seu lugar, Matheus, como sempre, será vivendo no nosso coração.
POR FAVOR, DEIXE UM COMENTÁRIO COM SUA REAÇÃO, EXPECTATIVA, ET CETERA APÓS A LEITURA DESTE CAPÍTULO FINAL. É IMPORTANTE PARA MIM.
BOA LEITURA
Dona Lira olhara para o padre que caíra no chão numa morte rápida, com pouca agonia. O menino que Gilmar trouxera brilhava quando viram num instante, todavia, a luz se desprendia dele como partículas de poeira e apagava-se lentamente. Gilmar vira tudo da janela. Viera numa corrida intensa e de um salto estava dentro do quarto.
- Tu não brincavas quando disse que o garoto viera do céu, ao que parece. – murmurou a velha. - Mas agora isto faz pouca diferença.
- Faz sim! – retrucou dona Lira. – O casulo não deu certo. O Antigo não vai virar um só espírito com Laio para renascer homem após a morte. Fracassamos.
Tia Rute olhara para a sobrinha de forma indecifrável. Não conseguiu entender se aquilo era um lamento, um deboche, ou uma afirmação indiferente.
- Não vão mais fazer isto. – Gilmar disse, olhando para o menino, que estava aparentemente morto. – Acabou. Eu já sei de tudo, e as crianças foram embora.
A velha olhou para ele pacientemente, caminhou até o padre, abaixou-se em gemidos de cansaço, e arrancou a faca das costas do homem.
- Quem é você? Você é uma raspa insignificante de algo grande que planejamos. Só está vivo porque fora violado pela garota. Está vivo pela compaixão desta idiota – e direcionou-se a Dona Lira – e porque de fato, precisávamos da força de um homem. Mas não precisamos mais.
Laio, que estava sentado, olhou para Gilmar, com as pupilas dilatadas, dois olhos negros intensos que miravam-lhe sinistramente. Ergueu os braços, e os telhados voaram pelo céu negro, e a luz da lua encheu o ambiente. Gilmar fora erguido do chão, e lançado contra a parede que estava a menos de meio metro dele. Afastava-se vinte centímetros e batia-se novamente, e outra vez. E outra.
Gilmar tivera o vislumbre de algo terrível. O menino que ele havia encontrado, vindo dos céus, queimava num fogo vermelho sangue, e gritava. Era um grito agudo e desesperado, um grito de tortura. Essa mesma dor ele próprio sentia. Aquela coisa que interagia com a criança queimava-lhe de dentro para fora, e as pancadas a curta distancia eram com uma força insuportável. Sentia que comprometia seus ossos, órgãos. Era insuportável.
Tia Rute tinha um sorriso tranqüilo, não havia soberba ou maldade, mas um contentamento, como se tudo tivesse voltado ao curso correto. Dona Lira olhava nos olhos de Gilmar. O que ela poderia fazer para protegê-lo? Ela era uma mulher frágil, adoecida. Gilmar era espancado contra a parede e reconhecia a compaixão nos olhos dela. Ela sentiu isso, e quis chorar. Agarrou tia Rute, tomou à força sua faca, e golpeou Laio pelas costas.
Gilmar caiu no chão, e dona Lira fora lançada contra outra parede, com muito mais força que os golpes dados contra Gilmar. Ambos cuspiram bastante sangue.
O rapaz ergueu a cabeça, e olhou para Mikail, morto, e sentira-o queimar, e olhou para os olhos de tia Rute, furiosa, que aproximava-se de dona Lira com ódio na respiração ofegante. Laio, por sua vez, tinha no corpo as conseqüências do golpe, mas mantinha-se em pé. Aproximou-se de Gilmar com um olhar superior. Olhava para o homem derrotado, esparramado no chão, semi ajoelhado, sua respiração era ofegante, asmática. Seu corpo todo estava dolorido.
O rapaz olhou para a lua cheia no céu limpo acima deles, da lua, para seu braço. Desenrolou o pano e o braço subitamente iluminou a todos com aquela luz pálida. Laio dera um passo para traz e tropeçou. Gilmar agarrara-o pelo pescoço e apertou com toda a força que lhe restava.
Tia Rute voara em sua direção com a faca e o golpeara, mas atingira o braço de Gilmar e não lhe causara nenhum grande efeito. Ele a empurrou. Ela gritou furiosa e ferida.
Gilmar, ainda agarrado ao pescoço de Laio, percebera uma lágrima escorrer do olho direito do menino. Ouviu em sua cabeça sua voz, que lhe implorava. “Mate-me”. Uma força estrondosa lhe tomara e ele estourou o pescoço da criança. Soltou, e o corpo caiu mole, como se a cabeça e o tronco fossem meramente ligados por pele e um pouco de carne.
O rapaz agora se sentara para contemplar a imagem da desgraça. As mãos com sangue, doloridas. Mas a velha ria. Tia Rute olhava para ele com olhar de indiferença.
“Você não sabe com quem se meteu, rapaz.” E olhou para dona Lira.
- Chega... – gemeu Lira baixo.
- Quase pôs tudo a perder... – disse a tia à Lira. – Quase. Teremos que recomeçar. Ele vai te perdoar, mas terá que provar que é fiel e devota.
- Porque fazem isso? – Gilmar perguntou, frustrado – e em troca de quê isto tudo? Vocês são velhas, pobres...
A velha ficou muda, olhando para ele, pela primeira vez ela não soube o que dizer.
- Ele enriqueceu meu pai, meu irmão, salvou minha cunhada...
- São velhas e pobres...
- Cale-se. – disse tia Rute. Mas havia uma força estranha em sua voz.
Dona Lira tossia, e olhava para ela.
- Não entende, minha tia? Apenas virou uma rotina. Nem a senhora acredita no que diz.
- Cale-se. Traidora... – e seguiu resmungando, inconsciente, numa língua estranha.
Dona Lira olhara de forma estranha. De repente fora tomada por terror.
- Você fala a língua d’Ele?
O sorriso da velha se contorceu numa expressão medonha e dona Lira começara a tremer o corpo inteiro e a se sentir sufocada. Era a velha que fazia aquilo. A velha deu passos lentos e debilitados. Gilmar estava cansado, já parecia ter desistido. Dona Lira tossia, engasgava, e estava com a cabeça vermelha, sufocada, desesperada. Mas algo aconteceu.
Mikail estava em pé. Olhava para a velha.
“Homem não lhe pertence!” ele disse numa língua estranha. A velha bufou feito um gato furioso ou ameaçado e deu um passo para trás.
“O homem não lhe pertence”.
A velha encolheu os ombros. Do corpo da criança desprendia uma luz branca sinistra, e esta luz a perturbava. Seus olhos começaram a lacrimejar, arder. Ficaram vermelhos, quase como se estivessem prestes a sangrar, e o brilho do ódio e medo. Ela continuava a lhe mostrar os dentes como uma criatura selvagem acuada, rosnando, bufando.
“Deixe-a, parta”.
Ouviu-se um grito que não era da velha, mas do que quer que a havia dominado. Seus ombros encolheram-se, quebraram para dentro, assim como os braços, e os ossos, e todo o corpo que se quebrava e encolhia-se para um núcleo magnético que não se via. Seus olhos de agonia sumiram, esmagados entre os pedaços do crânio que parecia implodir-se num último instante.
Uma sombra imensa ergueu-se sobre aquele amontoado de tecido e sangue, e emitiu um último rosnado. Mikail batera o pé direito no chão uma vez, e a sombra desapareceu, como uma fumaça de incenso.
Um silêncio consolador os abateu. Mikail partira. A lua e as estrelas os iluminava. Gilmar estava bem. Sujo com seu próprio sangue, mas sem ferimentos. Olhou para o céu. Olhou para a cruz de estrelas e para uma estrela à leste, de onde viera o menino. Gilmar levantou-se e foi até dona Lira. Segurou-a nos braços. Ela ficou em silêncio olhando nos olhos dele.
- Eu nunca soube como mudar isto, meu filho. Me perdoe por não ter tentado.
- Hortência e eu cuidaremos dos outros.
- Me perdoe.
Ele sorriu. Aquele sorriso com duas covinhas. O coração dela bateu mais forte, e ela própria não pode conter o sorriso.
- Perdoar de que? Vamos? Eu a levarei nos braços.
- Não. Fique aqui mais um pouco. – disse ela, mirando aqueles olhos claros que brilhavam. Os dentes daquele sorriso. Sentia o cheiro dele. Sentia-se em casa. – Não vai demorar para que eu parta, e quero estar bem aqui, - e respirou profundamente - olhando para você.
- Nunca me contou como vim parar aqui.
A senhora sorriu.
- Acreditaria se eu dissesse que veio do céu?
Derramou uma lágrima por seu rosto. Gilmar a enxugou, e então sua cabeça pesou completamente, e seus olhos eram fixos em uma direção qualquer. Ele os fechou. Beijou-a no rosto e a manteve por alguns instantes com o rosto em seu peito.
Ergueu-a nos braços e a levou até o quarto em que as crianças dormiam. Deitou-a numa cama e a cobriu com um lençol branco. Voltou para a enfermaria e aproximou-se do padre. Pobre do padre, que os quis proteger, e não teve sucesso, pensou Gilmar. Mas apesar de tudo, o padre partira, e não haveria mais pergunta sem resposta. Não fora em vão. Mas isto somente o próprio padre haveria de saber. Gilmar o levou para o outro quarto, limpo, e fez com ele como fizera com dona Lira.
Laio era um inocente, como ele próprio. Gilmar dera um beijo na testa da criança. Colocou-o na cama, no outro quarto, próximo à dona Lira e o Padre. Fez uma oração simples.
Não tinha idéia do que pensariam as pessoas que vissem aquele lugar, mas sabia que deveria desaparecer, levando consigo Hortência e as outras crianças. Pegou alguns objetos de valor que havia na casa, jóias antigas, simples, mas com ouro e uma ou outra pedra das velhas, economias, e pôs numa bolsa. Por último, pegou um cobertor para cobrir os restos mortais de tia Rute.
Sob a luz da lua, Gilmar saiu do orfanato, pela primeira vez, para sempre.
Havia no chão o corpo de Mikail, desacordado, embora estivesse o espírito absolutamente consciente do que acontecia. Perto dele, em passos lentos e temerosos, aproximava-se Gilmar. Soube ele, Mikail, que aquele era o pobre homem que havia tornado-se aquela criatura irrecuperável. Naquele momento soube que tivera êxito. Voltara no tempo para descobrir o que havia acontecido.
Gilmar o levara para a casa. Ali ele percebeu que tirando a mais velha, todos eram crianças confusas. Mesmo a senhora mais jovem. As crianças eram crianças, e não mais do que isso. Mas quando fora levado para a enfermaria, ali encontrou algo curioso.
Por mais que parecesse um mortal desacordado, Mikail era um antigo, e já a muito não dependia de matéria sólida, e não contava com os sentidos como visão, audição, tato, para enxergar. Na realidade, imaterial que era, suas faculdades eram outras. Percebia a todo o ambiente ao seu redor, tanto o que olhos de carne viam, como aquilo que estava além de seu processamento. E havia uma criança que flutuava numa nuvem em tom lilás escuro.
Inicialmente, aquilo parecia algo meramente trivial. Como uma capa posta pelo que chamam de anjo da guarda para proteger um enfermo. Mas aquilo era um véu que o separava de algo terrível.
A moça jovem inocentemente arrastara a cama onde jazia a criança adormecida, e então Mikail, invisível, percebeu uma criatura grande que surgira atrás dela. Aquela criatura era fruto das primeiras explosões do universo. Antiga. Presente neste mundo, sabia ele, há centenas de milhares de anos interferindo, inclusive, nas evoluções físicas e etéreas de muitas formas de vida. Não era o único a fazer isto.
Soube Mikail naquele instante, que a criatura queria usar a criança para tornar-se material. Neste momento ele entendeu o que havia acontecido. Séculos antes, no sacrifício final, Gilmar descobrira o que iria acontecer. Sem entender direito, impediu, e a ira do Antigo decaiu-se sobre seu espírito, que jamais conseguiu recuperar-se. Confundido pela criatura, tirou a vida de todos os outros e matou-se.
Quando a criatura imensa tocou o ombro da moça, Mikail fez-se perceber, e a criatura lhe confrontou.
“O homem não lhe pertence” ele disse olhando para a criatura.
Sabia que não lhe responderia. Mas o antigo ficou furioso, e lançou-lhe sua intenção de rancor, mas Mikail a conteve, e aquela nuvem do desejo de ambos, invisível a todos, flutuava naquele ambiente.
“O homem não lhe pertence”.
A criatura, poderosa, tornou o quarto coração de um incêndio terrível, mas Mikail mantinha-se poderoso desafiando a criatura. Aquele que parecia uma criança ergueu-se do solo e lançou um raio na criatura, que o conteve, e retribuiu com mais fogo. Mikail atirou fogo azul no Antigo, que apesar de incomodado, manteve-se forte contendo-o longe.
Seu confronto nunca cessou até o momento a mulher mais velha apunhalou a última criança, que deveria tornar a simbiose do espírito antigo ao da criança mais poderosa. Neste momento ele vacilou. A cama mudara de posição, e os encantamentos foram mal-sucedidos.
O fogo azul de Mikail, contido por dias, tomou o espírito da criatura, que pela primeira vez cobrira-se de horror, medo, e estrondosa dor. Sensações limitadas a seres errantes, não a poderosos feito eles.
***
Cavalgando noite adentro vinha o padre, cansado, faminto, com diversas e confusas sensações que reviravam suas entranhas e seus pensamentos. Mal enxergava o caminho diante de si, mas era guiado, provavelmente por sua intuição, e mesmo o cavalo, valente, corria.
Longa fora a sua viagem até que pudesse ver diante dele a casa, com uma das janelas reluzindo uma luz branca sobrenatural. Desceu do cavalo, e fez os últimos passos a pé. Suas costas doíam, suas pernas também. Suas coxas estavam assadas, e sua cabeça parecia solta do pescoço. Não tinha a juventude de outrora e, outrora jovem, nunca cavalgara jornada tão longa sem descanso. Mas ali seria uma jornada a muito esperada. Aproximando-se da casa nos passos mais ágeis que sua exaustão lhe permitia, ele foi surpreendido pela imagem de uma moça aterrorizada e silenciosa.
- Padre... Tem luz no corpo do menino... Sai dele, e está em volta dele.
- Vamos tirar as crianças daqui, pegue a carroça e leve meu cavalo para ajudar.
Ajudou a moça a acordar as crianças sonolentas. Um barulho de tropeço o assustou, mas tranqüilizou-se ao ver que era Gilmar. Gilmar ofegava, continha choro, horror, raiva, choque.
- Elas... elas matam as... crianças... pra um demônio... coisa assim... eu vi o espírito da flo... floresta... As crianças morrem... mas não descansam. Temos que matar o menino.
O padre perdeu a cor. Gilmar correu ajudar Hortência a fugir com as crianças. O padre foi até a cozinha e encontrou uma faca curta sem cabo. Andou em direção ao quarto iluminado. Entrou na enfermaria e encontrou a gravação do assoalho, e a criança que refletia de maneira assustadora a luz da lua. O menino que estava na cama gemia, virando-se de um lado para o outro. O menino da cama levantou-se de um soluço e grito de terror.
“Faça alguma coisa!” ele gritou.
O padre segurou a faca firmemente e atingiu com brutalidade o coração da criança iluminada, que abriu os olhos e olhou para ele com terror, agarrando suas mãos.
“NÃO!” gritou Gilmar demoradamente, olhando pela janela.
Mas ouve um outro som, outro ruído abafado de carne rompida, seguido pelo grito que não saiu da boca do padre. Uma dor terrível, e um fôlego que nunca foi encontrado.
Alguém dera-lhe uma facada nas costas.
- Parabéns, Padre, - disse tia Rute, contendo um riso debochado – você matou a criança errada.
Dera outras duas facadas nas costas do homem velho, que caiu no chão, morto.
***
Da criatura enfraquecida surgiu um último vigor que desfez as chamas do fogo azul de Mikail e lançou uma onda de fogo escuro que ardeu sobre seu espírito, e o derrubou.
DEVO COMEÇAR COM UM PEDIDO DE DESCULPAS A QUEM ACESSA O BLOG CONSTANTEMENTE, MAS O ATRASO NADA MAIS É QUE UM SINAL DE QUE APESAR DE FALTAR COM A PONTUALIDADE, TENHO COMPROMETIMENTO.
O MENINO QUE NÃO PODIA MORRER ERA PARA SER UM CONTO. SEMPRE FOI ESTA A IDÉIA, MAS ELE CRESCEU COMO UMA ÁRVORE, E TOMOU AS DIREÇÕES QUE QUIS, E OS PERSONAGENS SE TORNARAM QUEM DEVERIAM SER, E ISSO, CLARO, SIGNIFICA QUE ALGUNS FORAM ALÉM DE MEUS PLANOS, OUTROS SIMPLESMENTE NASCERAM NO MEIO DO PROCESSO E HOJE SÃO GRANDES DENTRO DO UNIVERSO DENTRO DA MINHA IMAGINAÇÃO.
O MENINO QUE NÃO PODIA MORRER ACABA NO CAPÍTULO 33, E ISSO EU DESCOBRI NO DIA EM QUE CHEGUEI NO CAPÍTULO 13 E VI QUE AQUILO ERA APENAS O FIM DO PRIMEIRO ATO.
NÃO É FÁCIL SE DESPEDIR DE PERSONAGENS NOS QUAIS PENSEI COM TANTA OBSESSÃO, NO ENTANTO, NÃO É UMA CARÊNCIA CRIATIVA QUE ME IMPEDIU DE ATUALIZAR O BLOG, MAS A IDÉIA DE QUE O CONTO SEM QUERER VIROU UM ROMANCE. ROMANCES SÃO REVISADOS ANTES DE SER PUBLICADOS, MAS TUDO O QUE FOI LIDO AQUI NESTE BLOG SEMPRE FOI ESCRITO INSTANTES ANTES DE SER PUBLICADO.
SEMPRE GOSTEI DE OBEDECER MEUS INSTINTOS E NÃO ME APEGAR A REGRAS E FÓRMULAS. MAS NÃO DEVE SER ASSIM COM O FINAL. NÃO QUE PRETENDA DESOBEDECER MINHA INTUIÇÃO, MAS PRECISO DE DAR MAIS CARINHO A ESTA PARTE.
FALTAM APENAS DOIS CAPÍTULOS, E BASICAMENTE, NÃO RESTAM TANTAS EXPLICAÇÕES, É APENAS O CLÍMAX E A CONCLUSÃO, QUE PODEM OU NÃO SER EMOCIONAIS, TENSOS, OU PREVISÍVEIS. SER PREVISÍVEL É UMA COISA QUE NÃO ME AGRADA. :D
NESTE FINAL DE SEMANA EU PUBLICAREI O CAPÍTULO 32 E, CLARO COMO CRISTAL, O FINAL SERÁ EMINENTE.
Em algum lugar no interior da Bahia se escondia a discreta cidade de Itaxoxota do Norte. Povoada por dois mil habitantes, Itaxoxota era conhecida por seus cidadãos defensores da moral e dos bons costumes, da decência... Gente filantropa e, claro, maconheira.
Nos arredores de Itaxoxota ficava a fazenda de coronel Eleutério, fazenda de cana-de-açúcar, mas era no centro da cidade que vivia seu filho Caio. Rapaz inteligente, ousadíssimo, de personalidade forte, e demonstrava isso para o mundo fumando maconha.
Caio não trabalhava. Não precisava, papai era rico. Caio era sempre preso por fumar maconha em lugar público, e seu pai, Coronel Eleutério pagava a fiança, dava-lhe uma bronca, cujas ultimas palavras costumavam ser ouvidas a distância. Caio era ousado, e não precisava de conselhos.
Seu pai, Coronel Eleutério, fora prefeito de Itaxoxota por sete mandatos consecutivos, e já depois de velho, emprenhou uma de suas amantes, teúda e manteúda, e nasceu Caio, mimado que pensava que não era.
Caio era um menino de atitude, desprendido, que só vestia roupas de surfista de marcas caras. Era bissexual. Não que sentisse desejo por homens, mas basicamente, o que viesse era lucro. Vivia um dia de cada vez, como se fosse o último, ou não.
Caio namorou certa vez Vanessa, patricinha, filha de uma família importante da cidade de Serro Azul. Conheceram-se numa festa na rua, ao som de Bob Marley, sob as românticas névoas pálidas de seus baseados. O namoro durou pouco mais de um ano. Caio se irritou por perceber que ela apenas queria fumar maconha da boa, e isso ele sempre arrumava de sobra.
Vanessa o traiu com Judelino, o dono da boca de sua cidade. Fora expulsa de sua casa, e alguns anos mais tarde, virou prostituta. Mas Caio não ficou sozinho muito tempo. Conheceu dois meses depois Carlinhos. Carlinhos fazia chupeta em troca de maconha. Caio o pediu em namoro e o levou pra família conhecer.
Carlinhos era “da hora”, segundo Caio. Carlinhos mamava que era uma beleza. E os dois fumavam o dia inteiro. Caio gostava de Carlinhos porque os dois tinham pontos de vista culturais e políticos em comum.
Caio tinha uma opinião política justa e extremamente coerente, segundo ele mesmo, claro. Caio adorava dizer que políticos eram corruptos, que pessoas passavam fome, que o mundo era cruel, que os animais eram mais confiáveis que os seres humanos... Dizia que era importante salvar a natureza. Tudo isso ele dizia no conforto de sua casa, relaxado, escutando Three Little Birds e acendendo a “bomba”.
Three Little Birds era “da hora”. Caio as vezes esquecia de tomar banho. Alias, ele as vezes esquecia o próprio sobrenome. Aí alguém o chamava de maconheiro e ele ria. Achava esquecer “da hora”.
Certa vez Caio e Carlinhos foram visitar o pantanal e Carlinhos foi até o rio fazer cocô, e fora atacado por uma sucuri. Foi comido e levado para dentro do rio. Caio voltou para Itaxoxota do Norte, sabendo que tinha esquecido de alguma coisa. Coronel Eleutério perguntara do genro e Caio emudeceu por um tempo. Carlinhos nunca mais fora visto e ele nunca soube o porque.
Caio vendia maconha para algumas putas, contra a vontade de dona Satanilda, que não queria oferecer quengas entorpecidas para seus clientes ilustres.
Caio achava Mahatma Gandhi da hora. Nem sabia muito sobre ele. Bob Marley era da hora também. Nem sabia nada sobre eles. Achava que dava moral ter pôster com a cara deles no quarto. Eles eram motivadores de seu maior sonho.
Sim, pois ele era sonhador, e seu sonho era mudar o mundo. transformá-lo num lugar melhor. Certa vez Coronel Eleutério perguntou “Como gostaria de fazer isso?”.
Ficaram dois minutos, olhando sérios um para a cara do outro sem dizer absolutamente nada.
Poucas pessoas já pararam algum dia para refletir sobre a complexidade da raiz da palavra universo. Sugere que há um plano físico em que vivemos que poderia ser, quem sabe, o contrário do que realmente existe. Sugere que estamos do lado de fora do que realmente é real. E no universo cabem absurdos inimagináveis que requerem milhares de anos de física para explicar.
Supõe-se que o universo, repleto de ilimitações possa ter vida inteligente em diversos pontos. Mas dentro de sua magnitude, isso se descobre uma inverdade. Há vida inteligente, há espécies diferentes, mas são poucas. Algumas delas, ligadas através de milhares de anos de história. Outras são meras consciências disformes, espalhadas pelo espaço, o que com a formação de planetas e vida recebeu o nome de Espíritos.
Espíritos assimilam-se a coisas, como simbiontes. Assim nascem os planetas e a vida se forma, porque eles animam os elementos. Uns possuem inteligência, outros não, e outros a adquirem com o tempo. Alguns espíritos têm habilidade para interferir em elementos, e são inteligentes. Estes são vaidosos. Interferem na imaginação de criaturas materiais, e tornam-se o que chamam de deuses, demônios, anjos...
Há milhares de anos surgiram os primeiros, e uns eram bons, outros não. Mas todos eram vaidosos. O que faria um ser interferir na evolução de outro e se fazer reconhecido senão a ardência egoísta de algo que se reconhece sobre outros seres? Há um ser supremo, que é um véu espalhado por toda parte, e ele assiste, e sua inteligência nada mais é do que a soma de todas. Não é um deus, pois ele é também os elementos. Mas os deuses...
Os deuses não poderiam criar o universo, tendo visto que eles próprios são parte dele. Mas os deuses interferiram no mundo. E como pensam e o que desejam está além da compreensão de qualquer outro ser. Isto não se discute.
No entanto, a evolução é a mais primitiva das leis que regem o Inverso, o Universo, e o Uno. Os seres se desenvolvem e alguns amam verdadeiramente. Estes vigiam a humanidade, e são livres. Não servem a nenhum deus, nenhum espírito, e também raramente interferem nas ações deles, pois um ser pensante não pode intervir por outro sem que seja chamado.
Existe um lugar distante aonde vivem alguns que foram homens a milhares de anos, e dominam elementos tanto quanto os espíritos antigos. Mas não tão distante, existem homens, próximos de seu mundo, que o visitam regularmente e resgatam espíritos de semelhantes que se corrompem. Levam, às vezes anos de trabalho, mas há casos irrecuperáveis.
Certa vez alguém impediu que um antigo espírito, anterior a formação do mundo, se assimilasse ao espírito de uma criança, e toda sua ira despencou-se sobre a pessoa, que em pouco tempo após abandonar o mundo material, ele já havia perdido qualquer resquício de humanidade e tornara-se um vapor etéreo composto por meros sentimentos de tristeza e rancor, e nenhuma personalidade.
Os homens do chamado “Paraíso” levaram este caso aos “Elevados”. Quatro tentaram despertar a criatura, mas nada poderia ser feito. Mikail, velho, poderoso, decidiu lançar-se pelo espaço, cruzando distâncias incalculáveis, retrocedendo no tempo, para resgatar aquela criatura quando ela ainda era humana.
E outra linha do tempo se formara no instante em que tomara a decisão.
Voltou décadas do tempo daquele mundo. Cruzando a escuridão profunda em que o tempo não existe, com o corpo esticado como uma flecha, cuja cabeça estava erguida, olhando na direção em que se atirava, pois não havia erros. Ele era antigo. Ele era poderoso.
Ao cruzar a atmosfera, desacordou-se, e fora lançado no solo, sem que sentisse qualquer impacto. Ele fora resgatado, visto como uma criança. E então chegara ao lugar em que deveria completar sua missão. Nenhuma maldade era irreversível.
Algo terrível estava prestes a acontecer, e ele sabia disto. Viera preparado. Tudo podia acontecer. Inclusive seu próprio fim.
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Escritor, Diretor... Escrevo desde os doze anos, atualmente envolvido em um projeto teatral lindo com um grupo maravilhoso; escrevendo disciplinadamente para este blog; contribuindo com contos para o jornal português Horizonte, e com mil outros planos no gatilho.
Gosto muito de ler bons livros, assistir a boas peças e bons filmes, ouvir boas músicas, e degustar boas conversas na companhia de bons amigos. E quem não gosta? ;)