Havia duas crianças que viviam no
meio de um bosque. O bosque estava próximo de uma cidade pequena, e todos
sabiam que as crianças ali viviam, e nada faziam por elas.
Em tempo: as crianças estavam
mortas. Mortas eram as duas crianças que viviam naquele bosque escuro em que as
pessoas não ousavam entrar, porque tinham medo.
Viviam, diziam uns, permaneciam,
diziam outros, e outros iam além, dizendo que “assombravam”. Pois que aquelas
duas crianças, um menino e uma menina, eram transparentes e, embora não
envelhecessem, pareciam interagir com uma rotina sobrenatural bastante curiosa:
a menina parecia possuir dons de cura, pois era vista geralmente tratando
animais desafortunados que se feriam, ou que fossem molestados por seu irmão.
Sim. Embora seja de conhecimento
de muitas pessoas que espíritos não possuam habilidade de interferir no chamado
“mundo material”, aquele menino conseguia agarrar pássaros e quebrar suas asas,
atirar pedras e dar pauladas em pessoas que encontrasse, sem que nada pudesse
causar-lhe quaisquer tipos de injúria.
Por isto é que “viviam” no bosque.
Perguntas não faltavam sobre
eles. Ninguém nunca soube quando é que chegaram no bosque, e se ao chegarem
ali, já fossem aberrações da natureza ou crianças comuns, pois suas vestes não
asseguravam a ninguém um palpite de uma época: estavam nus. Pareciam índios,
exceto pelos olhos azuis.
Seus olhos, ao contrário do resto
do corpo, não eram transparentes. Eram de carne viva, e flutuavam sinistramente
encarando quem os encontrasse. Mesmo os olhos da menina. Apesar de haver
bondade em seus gestos, ela carregava no semblante uma expressão odiosa e ainda
mais sinistra que a indiferença crapulosa do menino.
Certa vez um garoto da cidade, já
adolescente, perdera-se pelo bosque. Teve o infortúnio de encontrar o menino
pelado. O menino, sem muita dificuldade surpreendera o adolescente e lhe arrancou
os braços. O adolescente sangrou muito, mas a menina o encontrou e o curou.
Grato, o menino lhe trouxera
frutas. Ela as recebeu com suspeição. Em pouco tempo, tornara-se um hábito
ofertar-lhe frutas. Semanalmente estava o garoto da cidade ali para lhe trazer
presentes até que, certa vez, a garota permitiu que suas mãos, que antes lhe
atravessavam, conhecessem a textura de sua pele.
O adolescente acariciou-a
apaixonadamente, e a profanou, rasgando suas entranhas com brutalidade. Acuada
em meio ao choque, não conseguiu retomar sua forma imaterial, e entre seus
gritos, fora sufocada. Ele apertava seu pescoço.
O rapaz não fora grato por ela
ter-lhe recolocado os braços. Sentia ódio das crianças e foi assim que
chegou-se ao ensejo de sua vingança. Enforcou-a até a morte, atraindo o outro
menino, que tentou dar-lhe pauladas na cabeça, mas o garoto da cidade percebera
que no instante em que era agredido, o corpo do menino do bosque tornava-se
derrotável.

Puxou-o pelo pulso e enfiou um
estilete nos dois olhos do menino do bosque, e depois rasgou suas bochechas,
deixando à mostra a boca arreganhada da criança. Seus gritos agonizantes,
inaudíveis para o menino cujo ódio ensurdecia, não deixaram-no notar que a
menina, com sangue escorrendo pelas pernas, havia pegado um tronco fino e
rígido e empalara, num golpe rápido, o garoto da cidade, que caíra no chão, violado,
ferido e aterrorizado.
Enquanto o menino tirava o galho
de seu cu, a menina curava seu irmão. Os dois em pé, vigorosamente
transparentes, observaram o jovem gemer no chão, chorando, violado, despido. Com
o canivete, o menino do bosque fez um corte profundo no pescoço do garoto da
cidade, que sangrou até que seu coração parasse de bater. Ninguém jamais o
encontrou.
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