A Saga de Maria

sábado, 7 de julho de 2012

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Texto escrito para o jornal português Horizonte Vilacovense de 27 de fevereiro de 2012

          Todas as manhãs eram assim na vida de Maria. Estava ela satisfeita, olhando para a mesa do café da manhã. Havia ali uma boa variedade de frutas, queijos diferentes, pães, café preto, leite quente, além de algum suco fresco. Todos sempre conversavam enquanto tomavam o café, e Maria se sentia feliz.

          Durante a manhã, ela caminhava pelo jardim da casa, tão grande, e tão bem cuidado pelo competente jardineiro que mantinha as flores variadas e coloridas numa primavera que parecia durar o ano inteiro.

          Sempre recebiam alguma visita para o almoço. Ainda bem que aquela era uma casa onde havia fartura, pois eram sempre pessoas bem esbeltas e adornadas pelos mágicos efeitos dos cosméticos eram capazes de criar. Maria gostava disso.

          Quando fazia sol forte, e a piscina ficava ocupada, ela também gostava. Nunca mergulhou. Era desajeitada. Mas gostava de ver as pessoas se divertindo. Era a melhor parte do dia. Mas era difícil quando caía a tarde, e o relógio lhe dizia que era hora de voltar para sua casa. Maria tirava seu uniforme tão bonito, e vestia-se com suas sóbrias roupas remendadas.

          O motorista a deixava no terminal de ônibus, aonde ela entrava em uma fila sempre já com mais de quarenta pessoas na sua frente, e aguardava até que pudesse entrar no transporte, e permanecer em pé, numa viagem que costumava durar uma hora e vinte minutos em dias de pouco trânsito. Com sorte, ela estaria em pé no corredor, diante de uma pessoa  que desceria no meio do caminho, e ela teria que fazer meia viagem sentada.

          Mas sem sorte, choveria. As pessoas que se conseguem sentar pareciam-lhe feitas de algum material efervescente, pois a mais singela gota de chuva as motivava a fechar as janelas. Maria, sem poder mover-se no ônibus cheio, contentava-se em respirar apenas o gás carbônico emitido segundos antes por seus próprios pulmões.

          Abafados pelo transporte lotado, todos começam a transpirar. E toda a exaustão de uma jornada de trabalho concentra-se em uma incontrolável dor de cabeça. Maria chega no destino do ônibus: a estação de trem.

          Suas pernas doem. Ela entra no trem, e ali permanece segurando no ferro, em pé, por mais uma hora e quarenta minutos. Balançando. Agora é a coluna que dói. Os braços erguidos para que ela se mantivesse segura, começam a doer muito. Quando ela desce do trem, ela ainda pega outro ônibus, que a leva até a vila em que mora.

          No alto do morro, ela caminha. Respira devagar. O dia está acabando. Já é noite, faz três horas que ela deixou o trabalho. E está chegando em casa.

          Quando finalmente entra em seu barraco, olha pela ribanceira diante de sua janela, e o céu anuncia uma chuva forte. Ela pega sua medalha de Nossa Senhora de Aparecida e a beija. Sabia que vivia em uma área de risco, mas era o que tinha por hoje para dormir sob um teto. Limpou sua casa, tirou das bolsas o resto de carne que sobrara do almoço de seus patrões e serviu a seus filhos. Deitou para dormir.

          Mas logo se levantaria, e levaria uma hora para preparar os filhos para a escola, e outras três horas para chegar no trabalho. Será assim para sempre, e assim será com seus filhos.

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